O ex-boxeador japonês Iwao Hakamada, de 88 anos, foi finalmente absolvido pela Justiça do Japão após passar 46 anos no corredor da morte, em um dos casos mais emblemáticos do sistema judicial do país.
Condenado em 1968 pelo assassinato de uma família de quatro pessoas, Hakamada foi declarado inocente nesta quinta-feira (26), após a Justiça concluir que as provas usadas para incriminá-lo haviam sido forjadas e que a confissão obtida havia sido resultado de tortura. Hakamada foi o prisioneiro mais antigo do mundo no corredor da morte.
O caso do japonês começou em 1966, quando um incêndio consumiu a casa do gerente de uma fábrica de missô, um ingrediente japonês, onde Hakamada trabalhava, na cidade de Shizuoka, a oeste de Tóquio. Os corpos do executivo, de sua esposa e de dois filhos adolescentes foram encontrados esfaqueados após o incêndio. Hakamada ajudou a apagar o incêndio, mas logo foi acusado de ser o autor dos assassinatos. A acusação se baseou em uma roupa manchada de sangue, descoberta em um tanque de missô, que a polícia alegou pertencer a ele. Segundo a acusação, ele teria cometido o ato para roubar um dinheiro que estava guardado no local.
Durante os 20 dias de interrogatório após ser preso, Hakamada, segundo seus advogados, foi submetido a espancamentos e privação de sono até que, ao final, assinou uma confissão. No entanto, ele retirou a confissão assim que o julgamento do caso começou, alegando que havia sido coagido. Apesar do ato, ele ainda assim foi condenado à morte em 1968, e passou quase cinco décadas aguardando sua execução numa cela solitária.
2014 foi ano em que o caso teve sua primeira reviravolta, quando veio à tona novas evidências que provaram a inocência de Hakamada. Testes de DNA realizados nas roupas manchadas de sangue revelaram que elas não pertenciam ao ex-boxeador, abrindo espaço para que a Justiça lhe concedesse um novo julgamento. Naquele ano, o juiz Hiroaki Murayama, ao revisar o caso, afirmou que “as roupas não eram do réu”, levantando a possibilidade de que as evidências tivessem sido fabricadas pela polícia. Ele foi liberto, contudo, tal liberdade não significou sua imediata absolvição. Embora estivesse livre da prisão desde 2014, Hakamada continuou formalmente condenado até que o tribunal de Shizuoka, nesta quinta, finalmente declarou sua inocência.
A decisão, proferida pelo juiz Koshi Kunii, reconheceu de fato que as confissões de Hakamada haviam sido obtidas por meio de “interrogatórios desumanos” e que as provas apresentadas pela promotoria haviam sido manipuladas.
A irmã de Hakamada, Hideko, de 91 anos, foi uma das principais defensoras de sua libertação e acompanhou a decisão no tribunal. “Ganhamos uma absolvição, tudo graças ao seu apoio”, disse ela emocionada ao público que aplaudiu do lado de fora do tribunal. Cerca de 500 pessoas se reuniram para acompanhar o veredicto e, ao ouvir a decisão, muitos gritaram “banzai” – uma expressão de celebração no Japão.
O caso de Iwao Hakamada tornou-se um símbolo das falhas do sistema judicial japonês, especialmente no que diz respeito ao uso da pena de morte. Segundo informações, no Japão, confissões obtidas sob coação, por falhas do sistema, ainda são frequentemente aceitas como prova nos tribunais, o que gera preocupações quanto à imparcialidade das investigações.
A absolvição de Hakamada gerou novos apelos por reformas no sistema judicial japonês. Seus advogados e ativistas apontam que o tratamento desumano ao qual o ex-boxeador foi submetido, somado às provas forjadas, expôs graves falhas na forma como a Justiça lida com casos criminais graves. Hakamada, que hoje vive sob os cuidados de sua irmã, perdeu grande parte de suas faculdades mentais devido aos anos de confinamento solitário, e o impacto de sua prisão é irreversível. A promotoria responsável pelo caso do homem de 88 anos ainda pode recorrer da decisão, dentro do prazo de duas semanas.